segunda-feira, 21 de junho de 2010

Contribuição de ativistas bissexuais ao XII EBGLT (novembro de 2005)

Prezadas/os companheiras/os,

A temática da bissexualidade ainda é cercada de muitos estereótipos e preconceitos, mesmo dentro do nosso movimento. É comum ouvirmos brincadeiras maldosas envolvendo bissexualidade dentro e fora do movimento, associando-a, entre outras coisas, a enrustimento, transitoriedade, indecisão, instabilidade, promiscuidade, traição. Apesar da presença cotidiana de pessoas que têm desejos, práticas e/ou identidades bissexuais no interior do movimento, essas associações não vinham sendo questionadas até muito recentemente.

No final dos anos 70, quando surgiram os primeiros grupos de militância homossexual brasileiros, práticas sexuais com homens e mulheres eram geralmente percebidas como tendo um caráter liberador. No entanto, dizer-se bissexual era relacionado a não assumir o que realmente devia ser assumido e poderia revolucionar de maneira profunda a sociedade: a homossexualidade. Nesse momento, dizer-se bissexual era igual a ser "enrustido/a".

A partir de meados dos anos 80, um outro fator entra em cena: a aids. Em tempos de "peste gay", como a aids era chamada no começo, o envolvimento sexual com homens e mulheres não é mais visto como liberador, mas como promiscuidade criminosa. Bissexualidade passa a não ter relação apenas com ser "enrustido", mas com alguém que infecta, que trai mortalmente. Esse é o momento em que se fala muito da "ponte bissexual do HIV". Apesar da aids estar, em termos epidemiológicos, mais relacionada ao sexo entre homens do que ao sexo entre mulheres, a mesma lógica se reproduz no raciocínio de algumas lésbicas, para quem uma mulher bissexual seria "suja" pelo contato com o homem, visto como necessariamente promíscuo.

Nos últimos anos, temos assistido a organização política de ativistas que se reconhecem como bissexuais e a criação de núcleos de reflexão sobre bissexualidade no interior de grupos/ONG. O crescente envolvimento de bissexuais nos fóruns de articulação regionais e nacionais do movimento atesta tal organização, bem como sua disposição de lutar pelo fortalecimento dos direitos sexuais. Queremos compartilhar com as/os companheiras/os de militância de todo o Brasil um conjunto de recentes conquistas que acreditamos fortalecer o movimento pelas liberdades de orientação sexual e de identidade de gênero como um todo. Gostaríamos, também, sensibilizar os/as participantes do XII EBGLT quanto à necessidade de discutir o tema das bissexualidades e acolher a atuação organizada de bissexuais no movimento brasileiro.

O ano de 2004 foi muito especial para nós, homens, mulheres – inclusive os/as transexuais e transgêneros – e travestis que se reconhecem como bissexuais no movimento homossexual. Desde o início de março de 2004, na Associação do Orgulho GLBT de São Paulo, têm ocorrido as reuniões do projeto Espaço B, atividades quinzenais e abertas, que têm por objetivo construir uma base de argumentação sobre direitos humanos e (bi)sexualidades e promover um ambiente de acolhimento para bissexuais. Grupos universitários como o Prisma (USP) e o Diversidade (Unicamp) têm articulado grupos pró-diversidade sexual nas universidades e acolhido bissexuais.

Ativistas bissexuais começaram a mostrar suas caras em diversos grupos: Estruturação (DF), Identidade (Campinas), Diversidade (Unicamp), Prisma (USP), Mo.Le.Ca (Campinas), Ser Humano (SP), E-Jovem (Campinas), E-Sampa (SP), Umas e Outras (SP). Uma proposta de discutir bissexualidade sem formar um grupo específico ou restringir a discussão a pessoas que se identifiquem como bissexuais tem sido desenvolvida, desde junho de 2004, pelo Mo.Le.Ca, grupo de lésbicas de Campinas.

Em junho, fundamos a lista Espaço B no yahoogrupos, que propiciou a articulação de uma rede informal de ativistas bissexuais e de ativistas apoiadoras/es por vários estados espalhados no país e levou à demanda pela ampliação do critério de inscrições no II Encontro Paulista GLBT, de modo a aceitar inscrições de ativistas formalmente identificadas/os como bissexuais. A Plenária Final do II Encontro Paulista, em agosto, aprovou: a criação da Rede B, rede estadual de ativistas bissexuais, que objetiva expandir-se e visibilizar a questão nacionalmente; o estímulo à discussão do tema bissexualidade nos grupos gays, lésbicos ou mistos já existentes, através de atividades abertas a pessoas de qualquer identidade sexual; a viabilização de campanha, no interior do movimento, com o objetivo de desconstruir imagens negativas associadas à bissexualidade e inserir a representação desse segmento em fóruns e encontros do movimento; a inclusão do segmento nas reivindicações levadas pelo movimento; e a adoção, como diretriz para a atuação dos grupos, do princípio de procurar agir através de estratégias que enfrentem a homofobia sem contrapor negativamente homossexualidade a hetero ou bissexualidade, ou sem, equivocadamente, combater hetero e/ou bissexuais.

Em outubro, nasce o Bis – Núcleo de Bissexuais do grupo Estruturação (DF) e o Jornal BIS - www.bis.jor.br - , cujos objetivos são envolver bissexuais na luta por direitos sexuais e por direito de igualdade quando se fala de direitos humanos, desconstruir mitos e idéias errôneas sobre a bissexualidade, trabalhar campanhas de prevenção às DST/AIDS, educar quanto ao uso de preservativo e distribuir material.
Em novembro de 2004, ocorreu o Encontro Nacional da Liga Brasileira de Lésbicas, onde se reconheceu a organização política das mulheres bissexuais e acolheu a presença dessas ativistas na Liga.

Em janeiro de 2005, levamos nossa demanda de reconhecimento ao Congresso da ABGLT, onde fomos acolhidas/os e nossas propostas foram agregadas ao conjunto de Teses aprovadas naquele Congresso.

Nós, ativistas bissexuais atuantes no movimento brasileiro, gostaríamos de ter reconhecido, por este encontro, instância máxima do movimento em âmbito nacional, nosso trabalho pela organização política de homens, mulheres – inclusive os/as transexuais e transgêneros – e travestis bissexuais e pelo acolhimento de bissexuais no interior do nosso movimento. Queremos continuar atuando no sentido de fortalecer o movimento pelas liberdades de orientação sexual e de identidade de gênero como um todo. Que lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trangêneros, juntos e juntas, sejamos agentes da transformação do preconceito e do ódio em respeito e eqüidade. Afirmemos a diversidade que compõe o arco-íris do desejo e do amor humanos. Caminhemos juntas/os!

Propostas para o XII EBGLT:

- Estimular a discussão do tema bissexualidade no interior do movimento brasileiro, de modo a criar um ambiente acolhedor para pessoas que se reconhecem como bissexuais no interior do mesmo;
- Criação de uma rede nacional de ativistas bissexuais e apoiadores para estimular o debate e combater concepções estereotipadas no interior do movimento;
- Promover campanha pelo reconhecimento e respeito à bissexualidade e à organização política de bissexuais por parte dos grupos/ONG do nosso movimento;
- Incluir em todas as demandas afirmadas pelo movimento a questão da bissexualidade;
- Tão logo seja possível, reconhecer, através da inclusão do "B" de bissexuais no nome do nosso encontro nacional, a existência e organização desses/as ativistas no movimento brasileiro;
- Adotar, como diretriz para os grupos/ONG do nosso movimento, o princípio de procurar agir através de estratégias que enfrentem a homofobia sem, para tanto, combater heterossexuais e/ou bissexuais;
- Promover no interior do movimento uma discussão conceitual a respeito das distinções entre desejos, práticas e identidades sexuais, de modo a subsidiar o debate sobre sexualidades no interior do movimento e a construção de políticas públicas;
- Incentivar a participação de bissexuais em todos os eventos do movimento;
- Lutar pela inclusão do quesito orientação sexual em formulários médicos e de serviços como os centros de referência a partir do comportamento sexual (ter tido sexo com homens, mulheres, ambos ou nenhum ao longo da vida), que pode ser comparado com dados sobre identidade, a fim de que se conheça melhor as demandas de saúde ligadas à orientação sexual;
- Promover uma discussão que permita distinguir conceitualmente identidade de gênero e orientação sexual, a fim de reconhecer que travestis, transexuais e transgêneros podem ter seus desejos e práticas sexuais voltados para homens, mulheres, ambos ou mesmo para outras pessoas trans;
- Incentivar grupos e ONG para que, nas ações de prevenção e capacitação de multiplicadores, a abordagem das bissexualidades seja qualificada, a fim de otimizar a prevenção entre bissexuais, respeitando suas especificidades;
- Incentivar e propiciar espaços para que bissexuais possam discutir coletivamente e apoiar lésbicas, gays, travestis, transexuais e transgêneros no combate às assimetrias de gênero, hierarquias de papéis sexuais e toda forma de preconceito, discriminação ou violência relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero;
- Promover ações a fim de orientar e qualificar profissionais de educação e sensibilizar acadêmicos para o acolhimento respeitoso e ações educativas que visem a plena inclusão de jovens e adolescentes bissexuais, assim como lésbicas, gays, travestis, transexuais e transgêneros, nas escolas e universidades.

Alexandra Martins (BIS - Núcleo de Bissexuais / Grupo Estruturação de Brasília - DF )
Alexandre Peixe dos Santos (Secretaria de Travestis e Transexuais/Assoc. da Parada do Orgulho GLBT SP – SP)
Alexandre Toledo (BIS - Núcleo de Bissexuais / Grupo Estruturação de Brasília – DF)
Aline de Freitas (ativista independente - SP)
Ennio Brauns (ativista independente – SP)
Isadora Lins (Espaço B / Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo - SP )
Janaina Lima (Identidade - Grupo de Ação Pela Cidadania de LGTTB - Campinas - SP)
Jorge Leite Jr (ativista independente - SP)
Mário Felipe de Lima Carvalho (Grupo Prisma - DCE Livre/USP - SP)
Rachel Falivene Tapajós (Movimento Lésbico de Campinas - MO.LE.CA - SP )
Regina Facchini (Espaço B / Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo - SP )
Rodrigo Braga do Couto Rosa (Identidade - Grupo de Ação Pela Cidadania de LGTTB - Campinas - SP)
Ronaldo Gomes Neves (Associação Viva a Diversidade - Diadema - SP)
Alejandra Sardá (Coordinadora del Programa para América Latina y el Caribe/IGLHRC – Argentina)

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